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SABER VALE QUANTO?

Quanto vale conhecer?

Ando a me perguntar sobre isto. Pudera, trabalho diretamente com o conhecimento... Além de ter dedicado uma vida à sua construção, acabei vivendo dele. Isso mesmo: vivo do que recebo das pessoas que querem (ou necessitam) saber as coisas. Meu ganha-pão! Um dos tais sofistas pós-modernos. Afinal, ensino para todos, sem distinção de classes. Ajudo a formar o patrão que dá as ordens e aquele que o deixará de cabelos brancos com suas reivindicações. Ensino o pai que mima e o filho que se rebela, a pessoa que não se corrompe e o matreiro que quer levar vantagem. Estou em toda parte! Porém, nos últimos tempos, sinto que minha onipresença tem sido atacada com certa violência por uma reversão na lógica que me acolhe desde que me entendo por gente. Explico.

As pessoas, parece, não querem mais saber! Talvez tenha me expressado mal. Querem saber, mas não precisam aprender. Complicado? Talvez não, se observarmos com atenção as chamadas redes sociais; ou se prestarmos atenção na dinâmica de cursos – básicos, universitários, de especialização, de formação continuada – que encontramos por aí. Nas primeiras, parece que todos já sabem de tudo, de todos os temas, não precisando de nenhuma formação, ou informação, suplementar. Já nos aprendizados oficiais, parece que o conhecimento é o último da fila em importância. E isto porque nossa “sociedade do conhecimento” inverteu a ordem do pensamento moderno.

Francis Bacon dizia que “conhecimento é poder”, certo? Mas, hoje, na realidade, talvez possamos mudar sua tese. Quem sabe para: “aparência é poder”, “prepotência é poder” ou, até mesmo, “documento é poder”. A fala agressiva e taxativa dos que se manifestam nas redes, por exemplo, sobre política, sem que jamais tenham estudado meia página sobre o tema, parece produzir efeito similar ao do sujeito “douto” portador de um certificado de conclusão num curso de idiomas que se gaba por “falar” uma outra língua. Não é preciso saber, mas ter voz firme, ou andar documentado e “provar” que conhece o tema. Então, o caminho do conhecimento torna-se outro. O empenho cuidadoso de quem quer saber de fato parece não ser mais necessário: afinal, as opiniões de cada pessoa já bastam. Satisfazem o sujeito e parecem gozar de grande respeitabilidade por parte dos interlocutores. Então, não se exige mais coerência, reflexão, lógica... Basta o que se está afirmando. Inclusive, as questões – e, até mesmo, o bom e velho talvez – parecem artigos completamente fora de moda. A minha visão é o que vale! Os outros? Bem, creio que estejam equivocados. A consequência – que volta e se transforma em causa – é implacável: ninguém mais estuda de fato. Para quê?

É muito comum vermos enormes filas de matrículas para cursos de pós-graduação. A mesma quantidade de pessoas que, uma vez na sala de aula, reclamam – e até chegam a fazer abaixo-assinado – contra o professor que lhes deu um texto de quarenta páginas para a próxima semana. Ou aqueles que, tendo sido convidados para um evento cultural, encontram mil coincidências desagradáveis que justifiquem sua opção por outra atividade. Porém, em ambos os casos, a certeza é de se ter sempre razão. E a pessoa dedicada, disciplinada e disposta a estudar e ser profunda passa sempre por chata ou estranha. “Estraga prazeres”, nas palavras de um antigo aluno que acusara o colega de tentar “melar” seu feriado prolongado: o rapaz pediu-me que lhes desse uma leitura complementar, pois ainda tinha muitas dúvidas sobre um conteúdo, e queria poder entende-lo melhor nos dias de folga que teria pela frente. Porém, na hora da discussão do texto, os que criticaram o “CDF” quase não o deixam falar, satisfeitos que estavam com as enxurradas de senso comum que despejavam. Creio que Protágoras e os outros sofistas de Atenas tiveram discípulos mais antenados.

No final das contas, o que nos resta, afinal? “Reclamar é que não”, dizia-me, outro dia, um velho colega. “Faça o seu trabalho”, concluía. O problema é que sinto meu trabalho cada vez menos valorizado. E isto, além de péssimo para nossa autoestima de profissionais, parece ser um péssimo fator de negociação. Afinal, de que adianta dizer, ao sério diretor que nos vai contratar, sobre a nossa titulação, nossa produção e a vasta experiência que temos? Lá no fundo, ele sabe muito bem para que nos servirá todo esse histórico. E, talvez, ainda imagine o que poderá ser útil e atraente aos nossos futuros alunos. O poder dos alunos será o poder da instituição. E certamente irá pensar em tudo o que conversarmos. No momento de decidir sobre quem contrata, talvez balance... quem sabe... Mas, há de escolher o que seja melhor para quem vai usar de nossos serviços. De quem dê mais aos alunos. Mais saber... Ou mais poder? Pode depender do diretor... Ou da lógica que o guie...

João Luiz Muzinatti

MAIO / 2017

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