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A HISTÓRIA NÃO SE REPETE ...

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.

K. H. Marx - O 18 Brumário de Luís Bonaparte[1]

- Pode se sentar aí! Desculpe-me a falta de jeito: é que você me pegou meio de surpresa ...

- Não tem problema, professor! O que eu quero, mesmo, é poder falar sobre umas coisas que ficaram da aula. Sabe? Essa sua aula foi meio estranha, para mim. Fiquei meio ...

- Confuso?

- Não! Quer dizer ... Não sei ao certo ... Eu estou interessado pelo Marx, sempre quis aprender ... Mas, as aulas têm tocado em pontos meio ... Como dizer ...

- Polêmicos?

- Mais que isso, até! Fico pensando ... É que eu havia construído certas coisas na minha cabeça, e ... De repente, fico pensando ... Na política! Sim! É que estou tão animado de poder votar este ano. Primeira vez. Mas, de repente, nessa nossa discussão. Este livro, o 18 Brumário ...

- “De Luís Bonaparte”.

- Eu sei, eu sei! É que ... Tem umas coisas ... E o que a galera da sala falou ... Será mesmo?

- Vamos lá! Tente ser um pouco mais objetivo. O que é que está pegando?

- Bem! Trata-se de uma repetição da história anterior, “como farsa, não como tragédia”. E o que acontece parece ser algo que ... sei lá ... não daria para ser diferente? A política, naquela época ... E hoje ...

- O Luís Bonaparte fez como o seu tio: deu um golpe! E o livro parte desta constatação.

- Sim. Mas as coisas que são ditas. São meio desanimadoras. E o papo da nossa turma ... O que pensar? O que esperar?

- Quanto ao nosso mundo atual?

- Sim! E ao Brasil, especificamente! Nós vimos, no lance da revolução francesa, que os governos que juram dar direitos às pessoas, via constituição, acabam por incentivá-las a irem contra tudo isso e até a apoiarem golpes. As próprias leis, que são pensadas por parlamentos, têm os dedos de uma elite que comanda e, no final, as pessoas partem para cumprir as leis e ... de repente ... quebram as instituições. Não percebem ...

- Quem não percebe?

- Aqueles que votam! Aqueles que aceitam golpes! Aqueles que vão na onda! As elites apoiaram o Napoleão Bonaparte e, de uma forma até parecida, depois, o sobrinho dele. Eles, os grandões, sempre sabem o que querem. Mas as massas ... Colocaram um sujeito medíocre no poder. Isto porque as elites quiseram. As coisas serão sempre assim?

- Como assim?

- As massas não pensam, professor!

- Quem disse?

- A história! Os jornais! O Facebook ... Elegemos quem as elites querem. As pessoas, na sua maioria, dizem sempre um discurso meio igual. Articulam aquilo que os de cima querem. E pensam que decidiram, que foram eles que fizeram as transformações.

- Mas, isso é uma maneira de se pensar. Ninguém é bobo. Você se acha o único inteligente? Pensa que é superior aos outros? Isto não é ser elite, também?

- Não! Não quis dizer isto! É que estou meio indignado. O senhor tem razão: as pessoas fazem as transformações: elegem, protestam, aplaudem e quebram as instituições. Mas, as ideias não vêm deles. O senhor entende. Vêm de cima! E o povo só as repete.

- Não concordo! O povo, inclusive, argumenta brilhantemente, doutamente. Veja, por exemplo, os argumentos a favor de intervenções, armamento da população, penas capitais, proibição de obras de arte etc. Não, meu caro! O povo é quem vê lógica nas coisas e as chancela o tempo todo.

- Sim, mas ... As ideias não vêm da população.

- Quem disse? Se você for ter de lançar uma campanha publicitária, vai buscar algo com o qual a população concorde ou não? Se disser algo que venha a indignar as pessoas, sua campanha vai para a cucuia. As coisas não são simples assim.

- Eu sei, mas ... De onde vem isto tudo?

- Bem, as coisas não estão compreendidas completamente no acontecimento em si. Têm raízes bem mais profundas, anteriores. A história é feita de caminhos, descaminhos, surpresas. E seu entendimento vai além de uma análise circunstancial isolada. Nem é possível nos abastecermos de generalizações. Há que se pensar amplamente e, nessa dinâmica, também especificamente.

- Mas, o senhor não acha que as coisas, hoje, podem repetir fatos e situações já vivenciadas?

- Muita coisa vem com o mesmo formato, mas as especificidades talvez sejam o segredo, “a cereja do bolo”. Vale a pena observar. Você irá escolher caminhos, testar sua consistência e tem a liberdade de mudar ou seguir em frente.

- Mas, nem todos fazem isto! A maior parte das pessoas anda repetindo o que as mídias mandam. Cada uma a seu modo. Sem pensar! Ou melhor, sem pensar mais reflexivamente. Sem ler sobre o que dizem, sobre o que apoiam.

- Mas, convenhamos, é um caminho. Uma maneira de elaborar o mundo.

- Mas, vai dar na mesma! Golpes, sofrimento, enganação.

- Pode ser que não! Há variáveis ocultas. Não se pode saber.

- O senhor sabe que sim! Afinal, como disse o Marx “a história não se repete ...”.[2]

- Portanto, tente pensar. Tente elaborar de onde virá a “farsa”, desta vez. E lance questões: para si e para os amigos. Vamos conversar, mas sempre desconfiando de nós mesmos, de nossas certezas. Vamos parar para pensar. Não vamos, agora, condenar aqueles que consagram certas lógicas: vamos desenvolver lógicas novas; de preferência que possam contar com premissas comuns aos interlocutores.

- Mas, isso não vai acabar nunca! Vai demorar séculos, mestre!

- Bem, quantos séculos faz que se iniciou a Revolução Francesa, mesmo?

João Luiz Muzinatti - 26 de agosto de 2018

[1] Neste texto, Marx fala sobre política. Analisa os caminhos que levaram ao golpe de Luís Bonaparte e o compara ao acontecimento que levou Napoleão Bonaparte a ter poder supremo.

https://neppec.fe.ufg.br/up/4/o/brumario.pdf

[2] “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem duas vezes (...) a primeira vez como tragédia, a segunda, como farsa”. Do primeiro parágrafo do texto de Marx: 18 Brumário de Luís Bonaparte.

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