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NÓS, ANDORINHAS SOLITÁRIAS!

Ótimo é aquele que de si mesmo [conhece todas as coisas; Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia, Esse é, em verdade, uma criatura inútil.

HESÍODO

“Uma andorinha não faz verão”. Esta frase já foi dita e escutada por todos nós, muitas vezes. Normalmente a colocamos nos mais diversos contextos de nossas conversações e parece ser um daqueles aforismos sem qualquer contestação. Todos o entendem e o aceitam. Mas, o que poucos sabem é que tal frase tem mais de dois mil e trezentos anos, e foi escrita por ninguém menos que Aristóteles. Sim, o sábio de Estagira, o Filósofo!

Em seu livro Ética a Nicômaco, comentando sobre a construção de uma vida feliz, assinala que “uma andorinha não faz verão, nem um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e venturoso” (1991, p.15). E deixa claro, aqui, que a melhor vida que podemos viver não se constitui em desfrutar momentos isolados de alegria, mas em construir uma existência mais plena e que possa nos fazer, um dia, orgulharmo-nos e regozijarmo-nos com as realizações que tivemos. A vida melhor é aquela que nos constituirá como pessoas virtuosas e realizadoras; e, isto tudo, sem que atropelemos as pessoas e o mundo à nossa volta.

Pois bem, certamente esta não é a única visão sobre como seria a melhor vida que podemos viver. Aristóteles não foi o único a pensar nisto, e seu texto traz muito da visão que se tinha em seu tempo – por exemplo, aquela segundo a qual a participação política do indivíduo, tendo como fim a vida social mais plena e equilibrada, constitui-se na maior das virtudes humanas. Porém, o que diz não pode ser descartado. Viver bem não pode ser apenas sentir-se bem enquanto indivíduo isolado, mas poder andar pelo mundo mais seguro, mais sábio e mais participante. Seria muito estranho, para ele, “fazer do homem sumamente feliz um solitário, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade” (p. 221).

Assim, viver melhor também pode ser juntar forças, sonhar junto, partir para uma empreitada comum, reunindo-se com pessoas que também possam querer uma cidade, um país e um mundo que seja de todos. De todos, mesmo!

Talvez, do que foi dito acima muitos possam dizer que seria o óbvio: um discurso fácil de se construir e um pensamento que abarca a todos. Porém, e aqui está minha mais profunda dúvida, até que ponto não se trata de pura retórica? Sabemos, por exemplo, que somos responsáveis pela vida política de nosso país; mas tomamos parte nos movimentos que a levam para este ou aquele lado? Vivemos a criticar políticos e figuras públicas; mas fazemos por afrontá-los e colocar suas posições e projetos em cheque? Analisamos a situação de nosso mundo, de fato, antes de nos juntarmos a certos movimentos orquestrados por mídia e redes sociais? Gastamos nossa energia física e intelectual – minimamente, que seja – para fazermo-nos aparecer como protagonistas da situação política de nosso país? Somos capazes de abrir mão de momentos de folga para contribuir com a construção (com as outras andorinhas) de um verão mais aconchegante?

Talvez estas palavras sejam apontadas – de forma até acusatória – como vazias ou mesmo oportunistas. Não importa! O certo é que acordei, hoje, com uma angústia e uma tristeza de fundo, sentindo-me incapaz de me preparar para um futuro mais leve, arejado e mais feliz. Tenho me deparado com pessoas tristes, sem explicação; com pessoas deprimidas, sem que saibam por quê. A vida parece estar se esvaindo e não sabemos como explicar tal sentimento. As ruas parecem palcos, onde desfilam medo, incerteza, angústia e solidão. E este último talvez seja o maior inimigo da felicidade, esta objetivo inequívoco de todos nós desde que nos damos conta de que existimos.

Não seríamos, hoje, um bando de andorinhas errantes e cegas que, justamente por não enxergarmos nossas possíveis companheiras, vislumbramos apenas tempos frios, áridos e escuros pela frente?

Aqui vai minha suspeita: o que quer que possa estar causando tudo isso certamente possui um ingrediente de separação, de distanciamento das pessoas, de um modo geral. Estamos sós! Rumando para um futuro sem aconchego nem apoio. Como aves sem rumo, buscamos qualquer paradeiro, qualquer tempo. E o verão mais bonito e aprazível fica cada vez mais distante e, o que é pior, vai, aos poucos, desaparecendo até mesmo de nossos sonhos.

João Luiz Muzinatti - 15 05 2019

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. — 4. ed. — São Paulo : Nova Cultural, 1991. — (Os pensadores ; v. 2).

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