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PEQUENOS NÃO PENSANTES VÃO AO FUTURO



Aqui vai um incômodo aos pais de crianças bem jovens. Sinto muito! Quero lhes dizer algo bem simples, mas que os poderá deixar preocupados. Talvez alguns não se importem. A estes, desejo boa sorte. Aos que se preocuparem, coloco-me à disposição para futuras conversas. Começo minha breve reflexão com esta frase: a argumentação é o caminho para a sobrevivência intelectual do indivíduo!


Costumo dizer isto aos meus alunos. Sempre! E essa história se arrasta há décadas. Desejo demais, a partir desta fórmula, sensibilizá-los para a importância de se saber argumentar, pois, se soubermos expor corretamente nossas visões, ainda que não concordem conosco, pelo menos seremos respeitados em nosso posicionamento. E o respeito à opinião do outro representa, sem dúvida, uma forma de consideração ao seu pensamento; uma sinalização de que suas ideias não serão descartadas ou esquecidas.


A propósito, a palavra argumentação representa o ato de se argumentar, ou seja, de se construir um percurso lógico de pensamento – com exposição escrita ou falada (do mesmo) – a fim de que seja possível mostrar, a quem compartilha do exercício discursivo, que uma conclusão possa se pretender válida. Em outras palavras, é o mesmo que conduzir o interlocutor por um caminho seguro (e não violento) pelo qual a chegada à conclusão (o destino) poderá ser inexorável.


Argumentar é palavra de origem latina e vem de argumentāre, que significa algo como provar através de raciocínio. Assim, a perspectiva de se poder chegar à verdade – sonho de filosofia e ciência – está sempre presente na encantadora aventura da argumentação. E o adjetivo “encantadora” não caiu no presente texto por acaso ou apenas como forma de rebuscamento retórico. Quem se aventura por esta seara percebe, logo de saída, que argumentar é tão excitante quanto participar de um passeio por paisagens pitorescas ou misteriosas. O problema é que, para que as pessoas percebam a maravilha dessa aventura, necessitam de quem as introduza – de preferência, bem cedo - em tal prática. E isto, é claro, dá trabalho.


Porém, infelizmente, percebo que a maioria dos pais de crianças pequenas, talvez por comodismo ou desconhecimento de causa, evitam desenvolver tal costume em seus filhos. E o que é pior: estes lhes pedem muito, desde que começam a aprender a falar, que participem de suas incursões pelo pensamento. Não deve haver quem, tendo convivido com crianças de menos de três anos, não as ouviu distribuir enxurradas de questões a quem lhes cruzasse o caminho. E as pessoas, sempre, com a melhor das intenções, ao invés de desenvolver raciocínio compartilhado com elas, acabaram por encerrar a discussão com uma verdade final ou um estridente “porque sim”.


E o fogo intelectual, fervilhante e repleto de energia para começar a se desenvolver, acaba se arrefecendo aos poucos. E, em doses homeopáticas e ultra eficazes, a família acaba levando o potencial pensador a um caminho de conformismo e aceitação das coisas do mundo tidas como normais. Em alguns casos, tal fogo retornará na adolescência, mas trará, certamente, uma dose de rebeldia que não havia anteriormente. Neste caso, por razões um pouco diferentes, os pais não aceitarão, mais uma vez, o caminho pacífico e respeitoso da argumentação. E o final da história já sabemos. Felizmente, carinho, amor e respeito esfumaçam a Torre de Babel da vida e nos fazem conviver em família com um mínimo de harmonia. Mas, bem que as coisas poderiam ser diferentes.


Não sei se, por cansaço ou desinteresse, as famílias não dedicam tanta energia à conversa. Talvez por força das circunstâncias. Afinal, os meios de comunicação abarrotam nossas mentes com informações, propagandas, entretenimentos e verdades prontinhas, que não dá tempo (nem sobram energias) para dialogar. E a argumentação não se desenvolve. Os músculos do corpo se fortalecem e o desejo (principalmente de consumo ou diversão rápida) ocupa lugar de destaque nas mentes. Assim, argumentar será um verbo a ser retomado quando, no jogo da especialização profissional, as pessoas necessitarem do mesmo para vender, comprar, negociar ou escapar de algum problema. Temos aí um mal menor! Muito se salvará, é certo.


Entretanto, o resultado – que poderá ir do inconveniente ao trágico - será percebido quando, em mesas de almoço familiar ou de restaurantes, por exemplo, tivermos de escutar comentários simplistas, preconceituosos ou até violentos, vindos de gente que tem a convicção de estar discorrendo doutamente sobe o que quer que seja. Gente que não aprendeu a pensar, ouvir e se expressar com rigor e coerência. Certamente, já nos deparamos com personagens como estes. Triste, não?


Porém, o que fazer quando isto acontece? Um aluno me disse, certa feita, que “certas cabeças são como armaduras”. E creio que estava certo: da mesma forma que a musculatura de uma pessoa que luta judô desde a infância é notadamente mais desenvolvida na fase adulta, a mente de quem não criou os “músculos” da argumentação será rígida e aparentemente intransponível. Basta observarmos à nossa volta.


Aqui, resta uma questão, a qual representa o desafio que prometi aos pais: o que queremos, de fato, que nossos filhos se tornem? Quando dispendemos nossa energia em sua educação, o que estamos buscando ou vislumbrando para eles? Sucesso? De que tipo? Liberdade? Será, mesmo? Que poderes nos envolvem – ou brotam de nossa ação – no momento em que vivenciamos os chamados educadores?


Talvez – quem sabe? – os pais das crianças bem pequenas ainda tenham tempo de ajudar a desenvolver a capacidade pensante neles. Não nos preocupemos tanto com seus músculos, pois o esporte ajudará. Nem com os desejos, pois a febre consumista não dá folga. O desafio que fazemos é com relação ao pensamento crítico, rigoroso e coerente, de fato. Pode ser algo bem mais urgente do que possamos imaginar. Nossa sociedade contemporânea pode estar sofrendo de debilidade racional. Talvez faltaram alimentos e exercícios adequados na época certa.


Afinal, posso estar equivocado, mas sinto no ar um misto de intransigência, preconceitos exacerbados e violência (latente e direta) que poderiam não existir desta forma se as pessoas soubessem pensar melhor, ouvir melhor, questionar e responder melhor, enfim, argumentar de fato.



João Luiz Muzinatti - 26 de maio de 2019

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