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Ah, isso não!

  • Foto do escritor: Júlia Muzinatti
    Júlia Muzinatti
  • 4 de jul. de 2019
  • 3 min de leitura

À amiga Renata Palumbo

De nada me serve tentar entender o que estamos vivendo. Mas, por alguma razão, sinto-me impelido a dirigir olhares mais sombrios ao mundo em que vivo. Tempos estranhos (no mínimo)! As ruas não me dizem mais as canções de outros tempos.


As pessoas nos abordam com frases descompassadas, fora de lugar, anacrônicas até. De repente, o mundo parece ter começado a girar para trás. São falas racistas, homofóbicas, violentas; todas revestidas de uma certeza tal que não dá para tentar sequer questionar. Aliás, será que é válido questionar? Contra convicções não creio que possa haver algum remédio. Mas, por que estarão de volta?


Se pensarmos bem, as últimas décadas registram um movimento imenso para que nossos preconceitos sejam, se não estirpados, pelo menos problematizados em nosso íntimo. Desenvolvemos um cuidado, ainda que muitas vezes pouco espontâneo, c


om nossas falas, nossas interpretações. Criamos um pensar mais voltado para a importância da diferença – e creio, sim, que o mesmo fez sentido. Nosso país pareceu ter embarcado de vez – contrariando a própria tradição escravista que herdamos – no trem dos direitos humanos e da tolerância. Porém, será que estou enxergando bem? Tudo está se perdendo? E, se isto não é alucinação, por quê?


O certo é que não se trata de fenômeno brasileiro. O mundo parece estar enveredando para esse lado. Uma volta a tempos bárbaros que já supúnhamos mortos e enterrados. Viagem a pesadelos que nosso inconsciente parecia ter expulsado. E tudo na velocidade dos tempos “pós”. E com a contundência que só a mente humana alucinada pode forjar. Há fatos, sem dúvida, que marcam nosso tempo – e que podemos associar a essas intempéries.


Eleições (democráticas, sic.) de líderes como Trump ou Bolsonaro? Fracasso das esquerdas, que se associaram a elites que nada mais queriam que surfar na onda dos valores politicamente corretos e de cunho social e quebraram a cara? Banalização da vida e dos valores como efeito de um neoliberalismo devastador? Contingência pura e ao ritmo do acaso (hum...)? E tem mais: o que disto tudo pode ser categorizado como causa ou consequência? Como entender esta guinada a mundos tidos como perdidos? A partir de que evidências será possível imaginar trilhas viáveis a partir desta realidade – ou disto que possamos, inadvertidamente ou não, chamar de realidade?


O que podemos perceber claramente é que existe um incômodo no ar. As pessoas se estranham, pensamentos se polarizam, até os gostos parecem pender, hoje, para o que é radical. Nunca vi tamanho interesse em se praticar tiro ao alvo. As chamadas minorias, até outro dia garbosas e senhoras de si, hoje a caminhar cabisbaixas e apreensivas. O sonho democrático de trinta anos atrás parece estar, aos poucos, se transformando em temor pelo que há de vir.


Pode ser que sejam lampejos paranoicos de alguém que, às portas dos sessenta anos, sente-se inseguro existencialmente. Pode ser leitura enviesada e confusa de mundo. Afinal, andando pelas ruas, é possível ver mostras inequívocas de uma sociedade em que a pluralidade tornou-se regra. A cidade transborda liberdade em suas manifestações. Nosso visual é colorido como só num mundo aprazível seria possível. Entretanto – novamente - os ventos me batem mais frios; os sons estão ou embotados ou alucinados ... A vida parece dar sinais estranhos e sinistros ... Talvez deva olhar para as ruas sob um ângulo novo. Ou, quem sabe, me imiscuir em sua vida de corpo inteiro. Só não dá para continuar quieto e aconchegado pelo receio de que a vida me atropele e me leve para sei lá onde. Ah, isso não!


João Luiz Muzinatti

Julho de 2019

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